A tarde estava maravilhosamente linda como a muito não se via, e o King Ocean singrava as águas do Oceano Atlântico sob um céu de brigadeiro no seu terceiro dia longe da costa da Flórida de onde partiu do porto de Melbourne.
Na ponte de comando o Capitão Thomas Monroe, um velho lobo do mar e ex-Capitão de Fragata da marinha britânica mantinha seus estreitos olhos azuis cobalto na linha do horizonte longínquo enquanto tomava seu capuccino em pequenos intervalos recebendo os relatórios de desempenho do navio regularmente por meio de seus Imediatos.
Era um homem bem experimentado nas artes marítimas, o oficial mais experiente da empresa detentora do King Ocean. Deveria estar beirando seus 65 anos de idade, dono de uma aparência austera. A barba, assim como o cabelo, era totalmente branca, a cabeça redonda sustentada por um pescoço curto e grosso como uma tora, os ombros largos e o peito troncudo ainda mantinham o semblante de força e vigor de sua juventude, não era muito alto, mas sua postura fazia-o parecer maior do que realmente era. De modo geral pode-se dizer que sua imagem indicava, para quem tivesse o privilégio de conhece-lo, que aquele era um homem forte e seguro do que faz e sua aura sempre irradiava confiança e liderança.
O iate de luxo da Blue Royal, um dos mais modernos e luxuosos do mundo, ganhava o mar a uma velocidade de cruzeiro, a brisa marinha trazia o ar salgado para dentro da ponte enquanto os passageiros se divertiam no convés ou nos bares, cassinos e academias da embarcação... tudo indicava que a viagem de estreia do King Ocean seria um sucesso irrefutável, fato que não passaria desapercebido pela direção da empresa , e ajudaria a reforçar ainda mais a credibilidade do Capitão Monroe como o melhor no posto dentre todos os seus colegas, além de garantir-lhe mais um gordo bônus por quebra de velocidade em travessias de estreia, e logicamente, atrairia mais passageiros ricos e muito bem abastados para desfrutarem de um belo cruzeiro pelos mares do norte.
Depois de fazerem algumas paradas para os passageiros poderem realizar mergulhos de observação assistidos o iate finalmente atingiu um dos pontos mais polêmicos do globo: o Triângulo das Bermudas, uma das áreas mais temidas entre os viajantes dos mares, cheia de mistérios e muitas histórias de gelar o sangue, os passageiros, na maioria pessoas ricas e bem esclarecidas mantinham apenas certa curiosidade sobre esta parte do mar, fato bem diferente do que ocorria entre os funcionários da embarcação que começaram a ficar agitados a medida que o King Ocean adentrava mais e mais na zona do Triângulo, o único que permanecia inalterado e totalmente tranquilo era o “Velho Monroe”, como a tripulação costumeiramente o chamava quando este não estava presente.
- Senhor, precisamos mesmo seguir por esta rota? Se desviarmos 10 graus à direita poderemos pegar um traçado mais seguro. – pronunciou-se o Primeiro Imediato James Donavan, depois de ficar alguns minutos ao lado do Capitão tomando coragem para fazer esta sugestão.
- Do que está falando Sr. Donavan? Os relatórios todos indicam mar calmo e bom tempo daqui até Porto Rico. – observou o Capitão sem tirar os olhos do mar.
Esta era o tipo de resposta que James Donavan sabia que ouviria da boca do Velho Monroe, e ele tinha consciência dos rumos que aquela conversa tomaria, e se pudesse ele a evitaria... mas infelizmente isso não estava em suas mãos.
- Eu sei senhor, mas é que... estes relatórios não são completamente seguros... o clima pode mudar de uma hora pra outra. – continuou o Imediato notando um pequeno sinal de irritação ao ver as sobrancelhas de seu superior se contraírem levemente.
- Meu caro senhor Donavan, - replicou o Capitão com autoridade - se o clima pode mudar de uma hora para outra, como o senhor mesmo disse, então ele poderá mudar nesta rota ou na que fica a 10 graus a direita.
John Donavan sentiu sua boca secar.
- Entendo senhor, mas se formos a 10 graus para a direita não estaríamos fora do curso, e isso tranquilizaria muito a tripulação, senhor. – insistiu ele
Agora a irritação era clara no semblante do Capitão que torceu sua expressão numa careta carrancuda.
- E por que diabos a tripulação não estaria tranquila, Sr. Donavan? – a voz de Thomas Monroe soou imperiosa, ele via a insegurança nos olhos do Primeiro Imediato quando este começou a responder.
- Bem Capitão... o senhor sabe... temos homens muito corajosos à bordo, mas mesmo os mais bravos podem ter algum tipo de superstição... em especial quando estamos navegando no... Triângulo das Bermudas, senhor.
- Mas que... – o Capitão conteve-se antes de soltar um impropério, era um homem de temperamento calmo, mas seus ânimos se exaltavam toda vez que ouvia alguém dizer ter medo de crendices do mar ou de terra firme, pela primeira vez deixou de olhar para o mar e deitou seus olhos azuis que agora estavam claramente irritados, em cima de James Donavan.
- Eu não acredito no que estou ouvindo Sr. Donavan, o senhor está realmente querendo me dizer que a tripulação está com medo de histórias da carochinha? Era só o que me faltava. – desferiu ele
- Desculpe Capitão... mas é isto mesmo que está acontecendo, o senhor conhece a fama deste lugar... das histórias que contam sobre ele... é natural que os homens estejam receosos... e pra falar a verdade, eu também estou senhor.
- É natural que a chuva molhe, que o fogo queime e que o vento sopre senhor Donavan... o que não é natural é que homens fortes e vividos tenham medo de histórias tolas... o que o senhor acha que pode acontecer se continuarmos nesta rota? Acha que poderemos ser sequestrados por et’s? Ou quem sabe o Capitão Barba Negra nos destrua com seus tiros de canhão para pilhar o nosso barco?
- Deixe de tolices homem, eu navego pelos 7 mares desde antes de você nascer, e nunca em minha vida soube de um só incidente nesta área que não tenha sido culpa de Capitães incompetentes.
- Agora, a menos que o senhor ache que me encaixo nesta categoria, desça até o convés e diga para a tripulação que continuaremos nesta rota, e nem o diabo me fará desviar dela.
- Caso alguém continue com medo de fantasmas pode voltar nadando pra Melbourne. – finalizou ele não deixando margens para replicas por parte do Primeiro Imediato que não teve outra alternativa senão seguir as ordens do Capitão.
A tarde finalizou-se com um esplêndido pôr do Sol deixando o céu laranja e banhando a superfície do mar e suas ondulações com um dourado maravilhoso, em poucos instantes o laranja foi gradativamente substituído pelo azul profundo revelando as primeiras estrelas no firmamento e a Lua cheia anunciou-se no céu.
Dentro do iate os passageiros preparavam-se para o baile com motivos havaianos que aconteceria em breve, homens e mulheres estavam em seus camarotes trocando seus trajes de viagem por roupas típicas do Hawaii, o clima era alegre e descontraído, a brisa marinha fresca e agradável entrava pelas janelas abertas por toda a extensão do navio, no salão de baile os funcionários davam os últimos retoques na decoração, a equipe de cozinha começava a trazer os pratos (na sua maioria compostos de frutas tropicais exóticas recortadas de forma bem criativa) e a arrumar as mesas onde seria servido o lauto jantar para os passageiros, a banda de música afinava seus instrumentos e testava o som dos equipamentos eletrônicos, ao que parecia esta seria mais uma noite inesquecível para a tripulação do King Ocean, regada a muita música, comida e bebida da melhor qualidade.
Porém o destino reserva muitas surpresas que não podem ser previstas nem controladas, e infelizmente estas surpresas nem sempre são das mais agradáveis.
O Capitão Monroe estava presente vestindo seu traje de gala no baile (que já estava na metade de sua duração prevista) bebericando seu whisky preferido quando um dos Imediatos dirigiu-se até ele trazendo um aviso do Primeiro Imediato:
- Desculpe interrompe-lo senhor, mas o Primeiro Imediato Donavan pede a sua presença na ponte de comando.
- Certo Johnson, diga a ele que já estou indo pra lá, vou apenas terminar meu drink. – respondeu o velho Monroe.
- Desculpe novamente Capitão, mas o Sr. Donavan insistiu em vê-lo com urgência senhor.
Após ter dado cabo do whisky num trago grande o Capitão encaminhou-se para a ponte de comando, não sem resmungar muito a cada 2 minutos.
- Boa noite Sr. Donavan, recebi o seu recado, há alguma coisa errada? - questionou ele, pois deixara ordens expressas para não ser incomodado durante o baile a não ser em caso de urgência, como Capitão uma de suas funções era servir de anfitrião para os tripulantes.
- Não sei como explicar senhor, mas este céu senhor... eu nunca vi um céu assim... – respondeu James Donavan com os olhos vidrados no Capitão.
- Você está precisando de cuidados médicos Donavan, - começou o Capitão irritado – não tem nada de estranho... no.... – ele não conseguiu terminar a frase.
No céu a pouca distância do King Ocean um enorme turbilhão de nuvens brancas começava a girar a uma velocidade cada vez maior, o vento começou a soprar com mais força e a superfície do mar estava agitando-se perigosamente, as águas batiam com fúria contra o casco do iate e o ribombar de trovões podiam ser ouvidos ao longe, como se uma imensa tempestade estivesse prestes a se formar.
Não se passaram nem 5 segundos desde que o Capitão e o Primeiro Imediato pararam para observar aquela cena dantesca quando um grande olho se abriu no centro das nuvens brancas que rodopiavam agora a uma velocidade espantosa e de dentro deste olho um imenso e poderoso raio surgiu rasgando o ar e atingindo o centro da embarcação.
- Preparem os botes salva-vidas, rápido Sr. Donavan, tragam os passageiros para fora com os coletes!
- Estão morrendo Sr, estão morrendo queimados!
- Rápido homens, salvem todos que puderem!
- Aos botes!!! Aos botes!!!
O raio que atingira o centro do King Ocean foi o precursor de outros dois que atingiram a proa e a popa da embarcação respectivamente, o fogo começou a alastrar-se de maneira impressionante, os passageiros (que foram pegos de surpresa dentro do salão de baile) tentava desesperadamente salvar-se das chamas fatais, a correria era generalizada, o pânico tomou conta de todos apesar dos esforços dos funcionários do navio e muitos foram pisoteados por seus companheiros de viagem na fuga desabalada em direção ao convés onde estavam os botes salva-vidas.
Infelizmente mesmo com toda a velocidade que era possível empregar vários passageiros e funcionários do King Ocean morreram queimados ou afogados, e menos da metade dos tripulantes do maior e mais luxuoso iate do mundo conseguiram salvar-se nos poucos botes que resistiram às chamas, quando o último destes botes afastou-se alguns metros da embarcação um quarto e fulminante raio foi disparado do grande olho negro, e com este raio o King Ocean desapareceu para sempre da face da terra, deixando para trás apenas destroços esparsos como prova de sua existência.
Não foram poucos os que perderam entes queridos neste trágico acidente, pais perdendo filhos, filhos perdendo pais, casais sendo separados pela lâmina afiada da morte... e o fato de estarem vivos não diminuía suas dores, a tempestade que se formava também era mais um fator que tornava a sobrevivência de todos incerta.
Mas aquela tempestade não era natural, parecia mais com uma entidade dotada de vontade própria, pois seus ventos começaram a soprar ferozmente embalando os botes salva-vidas em direção a uma imensa mancha negra que recortava o horizonte e ia aumentando de tamanho cada vez mais.
Às 6:30 da manhã os poucos sobreviventes do King Ocean tiveram uma atracação forçada contra as areias do que mostrou-se ser uma grande ilha coberta pela mata atlântica, este seria o primeiro dia do resto da vida dos sobreviventes do mais recente acidente registrado no Triângulo das Bermudas.
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Muito bem jogadores e jogadoras, é aqui que a nossa aventura começa!
Seus personagens são os únicos sobreviventes do King Ocean, esta é a parte boa, a má é que vocês estão numa ilha desconhecida, não sabem se ela é habitada ou não, estão sem nenhum alimento, sem condições de tentarem voltar ao continente com os botes salva-vidas, sem mudas de roupas secas, todos os objetos tecnológicos que por ventura estiverem carregando não funcionam, e vocês não tem a menor ideia de sua localização.
O objetivo de todos é acima de tudo sobreviver, pois muitas surpresas estão reservadas dentro, e fora da ilha.
As regras são simples: não temos regras.